A Dança do Universo - MARCELO GLEISER (PREFÀCIO)

A Dança do Universo - MARCELO GLEISER (PREFÀCIO)


 

MARCELO GLEISER

 

A DANÇA DO UNIVERSO

 

Dos mitos de Criação ao Big Bang

 

 

 

Epílogo


DANÇANDO COM O UNIVERSO

Com nossa visão acalmada pelo poder Da harmonia, e tomados por um êxtase profundo,

Nós vislumbramos a essência vital de todas as coisas.

William Wordsworth

 

Dos cantos rituais de nossos antepassados até as equações descrevendo flutuações primordiais de energia, a humanidade sempre procurou expressar seu fascínio pelo mistério da Criação. Neste livro, compartilhamos esse fascínio, fonte de inspiração das tantas histórias e teorias que visam construir uma ponte entre o Ser e o Devir, entre o absoluto e o relativo. Seguimos a longa estrada que levou dos mitos de criação à ciência, estrada ornamentada pelas várias histórias de coragem e desespero, fracasso e sucesso daqueles que forjaram nossa visão do Universo através dos tempos. Espero que após esta longa jornada eu tenha, ao menos, conseguido traçar os contornos do que compreendemos, do que não compreendemos e do que não podemos compreender.

Como vimos, a cosmologia é a única disciplina da física que lida com questões que podem também ser legitimamente formuladas fora do discurso científico. Essa característica faz com que a cosmologia, assim como os cosmólogos, seja percebida de modo um pouco diferente do resto das disciplinas científicas ou mesmo de outros cientistas. (O mesmo pode ser dito de biólogos estudando questões relacionadas com a origem da vida.) Em geral, os livros sobre as propriedades de materiais magnéticos ou lasers não são muito populares em comparação com os livros sobre o Universo, mesmo sendo os materiais magnéticos ou os lasers muito mais importantes no nosso dia-a-dia do que as questões sobre o modelo do big-bang ou sobre os buracos negros.

Sem dúvida, vários cosmólogos são ateus. Eles não procuram (e não deveriam procurar!) Deus nem nenhuma conexão religiosa em suas equações ou dados experimentais. Mesmo assim, são atraídos pelas “grandes questões’, que podem abranger desde a origem do Universo e da matéria até a distribuição de galáxias no Universo. Seria ingênuo de minha parte tentar entender por que certos físicos decidem dedicar-se ao estudo das questões cosmológicas.As razões são tão variadas quanto o número de cosmólogos ao redor do mundo. Somos o produto de nossas escolhas, e a decisão do que fazer com nossas vidas é certamente subjetiva; mas, pelo menos, posso falar por mim mesmo.

No meu caso, a decisão de me tornar cosmólogo foi inspirada pelo clássico livro de Steven Weinberg, intitulado Os três primeiros minutos. Descobri esse livro quando estava no terceiro ano do curso de física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Como parte das exigências de um dos cursos, tive de preparar um seminário sobre um tema de minha escolha. O livro de Weinberg me impressionou tanto que resolvi falar sobre ele. Aprendi que era possível estudar cientificamente questões relacionadas com a origem do Universo e com a origem da matéria.

Aprendi também que era possível até fazer previsões quantitativas sobre o comportamento do Universo durante seus primeiros instantes de existência usando o modelo do big-bang. E
ainda mais espetacularmente: algumas dessas previsões foram confirmadas pelas observações! A cosmologia não é magia, mas uma ciência quantitativa. A idéia de dedicar minha vida ao estudo dessas “grandes questões” tornou-se uma obsessão. Inspirado pelo “sentimento cósmico-religioso” de Einstein, decidi seguir esse caminho. Finalmente, descobri que não era assim tão impossível receber um salário para “contar estrelas”.

Quanto mais eu aprendia sobre relatividade, mecânica quânti-ca e como essas disciplinas são aplicadas ao estudo do Universo, mais eu queria aprender. E como sempre, quanto mais aprendemos, melhor dimensionamos nossa ignorância, melhor compreendemos nossas limitações perante o infinito poder criativo da Natureza. É comum dizer-se que a ciência é um processo.

Eu acrescentaria que a ciência é um processo sem fim, uma “procura” num território sem fronteiras. Vejo com grande suspeita pronunciamentos afirmando que a ciência está morta, que todas as grandes descobertas realmente relevantes já foram feitas. Como é possível ser assim tão cego para a História ou para a nossa vasta ignorância? Basta lembrarmos a “supermente” de Laplace, ou as afirmações feitas por alguns dos grandes físicos do final do século XK, que acreditavam que a física estava chegando ao fim. Às vezes, como uma espécie de exercício psicológico, tento me colocar no lugar de cientistas que realmente acreditam que a ciência de sua época esteja praticamente no final. Como resultado, pergunto-me se essa confiança não é uma expressão da frustração desses cientistas, uma espécie de compensação perante o inevitável senso de humildade que sentimos ao confrontarmos racionalmente o mundo natural.

A Natureza jamais vai deixar de nos surpreender. As teorias de hoje, das quais somos justamente orgulhosos, serão consideradas brincadeira de criança por futuras gerações de cientistas. Nossos modelos de hoje certamente serão pobres aproximações para os modelos do futuro. No entanto, o trabalho dos cientistas do futuro seria impossível sem o nosso, assim como o nosso teria sido impossível sem o trabalho de Kepler, Galileu ou Newton.Teorias científicas jamais serão a verdade final: elas irão sempre evoluir e mudar, tornando-se progressivamente mais corretas e eficientes, sem chegar nunca a um estado final de perfeição. Novos fenômenos estranhos, inesperados e imprevisíveis irão sempre desafiar nossa imaginação. Assim como nossos antepassados, estaremos sempre buscando compreender o novo. E, a cada passo dessa busca sem fim, compreenderemos um pouco mais sobre nós mesmos e sobre o mundo a nossa volta.

Em graus diferentes, todos fazemos parte dessa aventura, todos podemos compartilhar o êxtase que surge a cada nova descoberta; se não por intermédio de nossas próprias atividades de pesquisa, ao menos ao estudarmos as idéias daqueles que expandiram e expandem as fronteiras do conhecimento com sua criatividade e coragem intelectual. Nesse sentido, você, eu, Heráclito, Copérnico e Einstein somos todos parceiros da mesma dança, todos dançamos com o Universo. É a persistência do mistério que nos inspira a criar.

 

 

 

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